Plano de redução da letalidade policial

Fachin determina que governo do RJ crie plano de redução da letalidade policial

Compartilhe essa matéria:

Plano de redução da letalidade policial

O ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin proferiu em voto, durante sessão virtual da Corte, nesta sexta-feira (21), determinação para que o estado do Rio de Janeiro elabore, em até 90 dias, um plano de redução da letalidade policial e de controle de violações de direitos humanos por parte de suas forças de segurança.

 

 

A decisão acontece 15 dias após a operação mais da história da polícia do Rio de Janeiro, quando policiais civis foram responsáveis pela morte de 27 pessoas, na favela do Jacarezinho, na zona norte fluminense. Durante a ação, um policial também foi morto, e as investigações ainda não determinaram de onde partiu a bala que o vitimou.

 

 

O voto será apreciado pelo plenário da Corte do Supremo, que julga nesta sexta um recurso sobre as operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro (ADPF 635), teoricamente restritas durante o período pandêmico, desde abril de 2020, por decisão do próprio ministro Edson Fachin.

 

 

O plano deverá ser debatido em audiências públicas com a sociedade civil. Após sua elaboração, deverá ser submetido ao Plenário do STF “para homologá-lo ou impor medidas alternativas ou complementares, que a Corte reputar necessárias para a superação do quadro de violações sistemáticas a direitos fundamentais nas políticas de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro”, complementa Fachin.

 

 

Em seu voto, o ministro ordena ainda que o plano contemple a “melhoria do treinamento dos policiais, inclusive em programas de reciclagem, e a sensibilização para a necessidade de respeito aos direitos humanos e para a questão do racismo estrutural”.

 

 

Um levantamento divulgado pela Rede de Observatório de Segurança Pública afirma que 86% das pessoas mortas em ações policiais são negras.

 

Outro ponto da decisão de Fachin determina que sejam estabelecidos protocolos públicos de uso proporcional e progressivo da força, “em conformidade com a Constituição e com os parâmetros internacionais, especialmente aqueles previstos nos Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei”.

 

 

Segundo o ministro, a decisão apenas “promove o cumprimento da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos”.

 

 

“Frise-se, como já se indicou ao longo dessa manifestação, que nenhuma dessas disposições, como, de resto, nenhuma das considerações feitas nesta arguição de descumprimento de preceito fundamental, têm por objetivo impedir a atuação própria das polícias, mas apenas o de assegurar um procedimento de conduta que respeite os direitos e garantias fundamentais, permitindo a rastreabilidade e a accountability do Estado em todas as suas intervenções”, afirma Fachin, em seu voto.

 

 

Em nota, o governo do Rio de Janeiro afirma que “tem uma relação de profundo respeito e diálogo com o Supremo Tribunal Federal e aguarda a conclusão do julgamento da ADPF 635 para se pronunciar”.

 

 

Para Daniel Hirata, professor do Departamento de Sociologia e Metodologia das Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF), “a decisão é corajosa e contundente. Um ótimo voto pra gente começar a imaginar possibilidades de enfrentamento a essa questão tão complicada que é a letalidade policial”.

 

 

No seu voto, Fachin traz relatos de pesquisadores da área de segurança pública, organizações de direitos humanos e também de familiares de vítimas de ações policiais, que participaram de uma audiência com o STF, em abril deste ano.

 

 

Hirata, que participou da referida audiência pública, levou ao debate um estudo produzido pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF):

 

 

“Operações Policiais e Violência Letal no Rio de Janeiro: os impactos da ADPF 635 na defesa da vida”.

 

 

O levantamento revela que a decisão do STF de restringir as operações policiais durante a pandemia de covid-19 reduziu em 34% as mortes em decorrência dessas ações. Segundo o estudo, ao menos 288 vidas foram salvas no ano de 2020.

 

 

“As operações policiais são o grande instrumento da ação pública, na área de segurança do Rio de Janeiro, que concentram recursos importantes do ponto de vista financeiro, tecnológico e humano, mas ocorrem ao revés das lógicas e políticas públicas dos direitos. Por isso que elas são ineficazes para o controle do crime e extremamente letais”, explica Hirata.

 

 

Com o plano, aponta o professora da UFF, “as operações policiais vão se restringir a casos absolutamente excepcionais, onde há risco iminente de vida e a atuação policial vai ser dirigida para outras ações, que não só de cunho repressivo. Elas vão poder ser mais fortemente guiadas por diagnósticos baseados em dados e evidências, com transparência na sua execução e prestação de contas de seus resultados”.

 

 

O ministro determinou ainda a criação de um “Observatório Judicial sobre Polícia Cidadã”. O colegiado, que ainda precisa ser aprovado pelo plenário do STF, deverá ser composto por membros da Corte, pesquisadores da área de segurança pública e entidades da sociedade civil. O Observatório será o responsável por assessorar o STF na avaliação do plano.

 

Vidas policiais em risco

 

O plano, que deverá ser elaborado em até 90 dias, também aponta medidas para evitar a morte de policiais e melhorias nas condições de trabalho desses profissionais. Segundo o Monitor da Violência, do Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP), somente em 2020, 65 agentes de segurança pública perderam a vida no Rio de Janeiro.

 

 

O ministro Edson Fachin determina que no plano estejam elaboradas ainda medidas “destinadas a resolver o problema da ausência ou insuficiência de acompanhamento psicológico dos policiais e a previsão de afastamento temporário, das funções de policiamento ostensivo, dos agentes envolvidos em mortes nas operações policiais”.

 

 

“O atual estágio da política de segurança pública não é apenas uma ameaça para todos os brasileiros, mas também para os policiais que dedicam suas vidas e não raro as perdem – em números vergonhosamente inaceitáveis”, aponta Fachin.

 

 

Em resposta a uma declaração do delegado Rodrigo Teixeira de Oliveira, subsecretário operacional da Polícia Civil, que chamou de “ativismo judicial” a decisão do Supremo que determina a restrição das operações no Rio de Janeiro, Fachin explica que a intervenção do STF é necessária, em um cenário de “completa disfuncionalidade do processo político”.

 

 

“A atuação desta Corte nada tem de ativismo judicial, expressão de resto vazia e de pouco valor explicativo. Ao contrário, a intervenção deste Tribunal é plenamente justificada em cenários excepcionais”.

 

Edição: Vinícius Segalla

Fonte: Brasil de Fato

Foto: Carl de Souza/AFP

Sobre o autor(a)


Compartilhe essa matéria: