Vacina nacional contra a dengue: Brasil está mais perto da erradicação?
Embora imunizante seja excelente notícia para a saúde pública, combate à doença exige ações combinadas e constantes
O anúncio de que o Brasil terá disponível uma vacina contra a dengue fabricada nacionalmente a partir do próximo ano é um avanço considerável no combate à propagação da doença. Com a produção em larga escala, o país dá um passo significativo para ampliar a proteção da população. No entanto, o imunizante por si só não significa o fim da arbovirose.
Em entrevista ao podcast Repórter SUS, o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Renato Kfouri, afirma que há poucas nações no planeta que contam com o “privilégio” de ter acesso às doses e que a vacinação coloca o Brasil em um lugar único. Ainda assim, o especialista ressalta que a imunização não tem o potencial de erradicar a dengue. Segundo Kfouri, o trabalho de controle da doença é necessariamente multifatorial.
“A dengue é uma doença de difícil controle do vetor em um país como o nosso, onde as oportunidades do mosquito se proliferar são enormes por questões climáticas, sociodemográficas, econômicas e sanitárias. Esgotos, lixões, construções – nosso urbanismo favorece muito a proliferação do mosquito. Então, eu vejo com muita esperança a possibilidade de contarmos com vacinas, mas como uma ferramenta adicional. Vamos ter que continuar controlando o mosquito, mas somando-se a essa estratégia de vacinação, conseguimos minimizar esse impacto tão grande e sofrido que a dengue tem sido para a nossa população.”
De acordo com informações do Ministério da Saúde, serão 60 milhões de doses por ano, com início da campanha já em 2026. O público-alvo da primeira fase de produção será a população com idade entre 2 e 59 anos. O governo federal anunciou um investimento de R$ 68 milhões para a produção das doses iniciais.
O valor está inserido em um investimento total de R$ 1,26 bilhão na parceria entre Instituto Butantan e a empresa internacional WuXi Biologics, por meio do Programa de Desenvolvimento e Inovação Local (PDIL) do Ministério da Saúde, com auxílio do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O Brasil é o primeiro país do mundo a disponibilizar a vacina gratuitamente como política pública.
Essa não é a primeira vez que o Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza uma vacina contra a dengue gratuitamente. Desde janeiro de 2024, a vacina japonesa Qdenga é oferecida no SUS, mas o número de doses produzidas pelo fabricante é baixo. Isso levou o Ministério da Saúde a estabelecer públicos-alvo mais restritos e específicos. Inicialmente, a campanha foi voltada para crianças e adolescentes de 10 a 14 anos, em cidades com cenário mais crítico.
Ainda assim, mesmo para a parcela da população que podia ser vacinada e nos municípios selecionados para receber o imunizante, a procura foi baixa. No início deste ano, a Sociedade Brasileira de Imunizações emitiu um alerta relativo à adesão insuficiente. Apenas metade das doses distribuídas pelo Ministério da Saúde havia sido aplicada.
Renato Kfouri afirma que existem diversos fatores para esse cenário e o baixo número de doses está entre eles. No entanto, ele ressalta a necessidade de ações como a ampliação dos locais de vacinação e a informação sobre a disponibilidade das doses.
“Tivemos que começar pelos adolescentes e vacinar adolescentes não é tarefa fácil. Tivemos também outro grande problema: já que não eram todos municípios, não tivemos uma campanha nacional em que pudéssemos convocar a todos. Ficou a cargo de cada município fazer sua campanha de informação à população. Nós tivemos aí mais um cuidado em relação à segurança das vacinas, que foi somente fazer vacina em unidades de saúde. A vacinação extramuros, por exemplo, em escolas, que seria uma grande saída para vacinar adolescentes, foi interrompida. Felizmente, nós pudemos agora reverter um pouco dessa situação, possibilitando uma flexibilização para municípios.”
Apesar do cenário desafiador em 2024, que registrou números recordes demais de 6,6 milhões de casos prováveis e 6.103 mortes por dengue, os dados mais recentes do Ministério da Saúde indicam uma queda de quase 70% no número de pessoas infectadas pela dengue nos meses de janeiro e fevereiro de 2025.
Para Renato Kfouri, a chave para um controle efetivo e duradouro da dengue reside na continuidade e na abrangência das políticas públicas:
“Não há dúvida de que a dengue é uma doença em franca expansão no planeta. A despeito de nós termos as condições sanitárias e tudo o que elencamos como grandes propagadores do mosquito e, consequentemente, da doença, temos que lembrar que as alterações climáticas têm se refletido na ocorrência de casos em lugares inimagináveis. Ou seja, há um potencial de expansão. Hoje metade da população mundial vive em países de risco para dengue. Então, as estratégias de controle precisam ser políticas públicas de continuidade. As arboviroses ou doenças transmitidas por vetores como os mosquitos são um problema para hoje e para amanhã no país e em todo o mundo.”
O Repórter SUS é uma parceria entre o Brasil de Fatoe a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Novos programas são lançados toda semana.
Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
Fonte: Brasil de Fato