Por que o ex-ministro Ricardo Salles era considerado ameaça global ao meio ambiente
Salles: ameaça global ao meio ambiente
O ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, é considerado uma ameaça global. Sua reputação, alcançada enquanto ocupava o cargo federal de quem exatamente deveria zelar pelo meio ambiente, não tem nada de exagero. Seguidor fiel da cartilha do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para o setor, Salles defende a exploração “capitalista” da Amazônia, a regularização de áreas griladas, inclusive na Amazônia, em benefício do agronegócio, da mineração e garimpo ilegal e invasão de terras indígenas.
Ideias essas que, em pouco mais de dois anos como ministro do Meio Ambiente, se tornaram ações concretas de desmonte do Estado e dos órgãos de defesa dos biomas nacionais.
O impacto de suas políticas tem escala globa. A pressão por sua demissão era crescente em todo o mundo. Em abril deste ano, senadores do Partido Democrata dos Estados Unidos enviaram carta ao presidente Joe Biden, alertando que Bolsonaro e Salles abriram a porteira para o crime ambiental.
No âmbito interno, o ex-ministro a serviço da devastação ambiental é acusado de dificultar investigações de uma operação da Polícia Federal na Amazônia envolvendo extração recorde de madeira ilegal; o objetivo seria para proteger os criminosos ambientais e fiscais.
Relembre os principais ataques do ex-ministro do meio Ambiente contra o próprio meio ambiente:
Desmatamento recorde
O desmatamento da Amazônia tem batido recordes. neste ano, segundo o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), a floresta registrou o maior desmatamento para o mês de março nos últimos 10 anos. De acordo com o boletim, a destruição na Amazônia Legal totalizou 810 quilômetros quadrados no referido mês, aumento de 216% em relação a março de 2020.
Desmatamento é sinônimo de perda de biodiversidade e emissão de gases de efeito estufa – temas prioritários da agenda do governo democrata dos Estados Unidos.
Incêndios florestais
Em 2020, o número de queimadas foi o maior desde 2010, segundo medição do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Foram 222.798 focos de incêndio registrados, 12% a mais que os 197.632 registrados em 2019, primeiro ano da gestão Bolsonaro/Salles.
O trágico destaque do relatório foi o Pantanal, com 22.119 focos de incêndio, 120% a mais que em 2019. O maior número desde que as medições começaram a ser feitas, em 1998. Em termos proporcionais, segundo o Inpe, foi o maior aumento entre todos os biomas (Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica, Caatinga e Pampa).
Até outubro, 28% do território pantaneiro foi atingido, com a morte de animais que ganharam repercussão internacional. Mas a Amazônia teve o maior número de focos: 103.134 incêndios registrados, 15% a mais que em 2019, o maior número desde 2017, que ultrapassou o total registrado de janeiro a dezembro do ano passado. Um total de 89.604 focos de calor detectados pelos satélites monitorados pelo Inpe. Foram 89.176 em 2019.
Os biomas queimaram também por cortes orçamentários, que em parte poderiam ter sido atenuados com os recursos do Fundo Amazônia, que o governo paralisou.
Aliança com madeireiros ilegais
Em abril, o agora ex-chefe da Polícia Federal no Amazonas Alexandre Saraiva enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) queixa-crime denunciando Ricardo Salles por crimes de advocacia administrativa, organização criminosa e obstrução a operações. Na representação, são listadas todas as ações do ex-ministro e do senador Telmário Mota (PROS-RR) para dificultar a investigação de órgãos ambientais em operação sobre a apreensão recorde de madeira ilegal no final de 2020.
Trata-se da operação Handroanthus, que apreendeu mais de 200 mil metros cúbicos de toras extraídas ilegalmente, com valor estimado em R$ 130 milhões. Em suas declarações e postagens nas redes sociais, Salles defendeu a “legalidade” da extração e da ação dos madeireiros investigados.
Segundo o delegado, Salles e Telmário alegaram que as terras de onde foi retirada a madeira é legal e a extração foi autorizada, o que não corresponde aos fatos.
Negacionismo climático
Em dezembro, o ex-ministro apresentou nova meta climática ao Acordo de Paris, para chegar a 400 milhões de toneladas de gases de efeito estufa até 2030. A ideia era manter o mesmo percentual de redução definida em 2015, em 43%, que significava emitir 1,2 bilhões de toneladas de gases até 2030. O problema é que o governo brasileiro desconsiderou atualizações ocorridas na base de cálculo. Pela revisão recente, a meta apresentada corresponde 1,6 bilhão de toneladas no mesmo período.
Para Ricardo Salles, que não tem no currículo nenhuma formação ambiental, o aquecimento global não é uma questão prioritária e serve apenas ao “debate acadêmico”. Em maio de 2019, ele tentou cancelar a realização da Semana do Clima da América Latina e Caribe (Climate Week), em Salvador. Seria apenas uma “oportunidade” para se “fazer turismo em Salvador” e “comer acarajé”, argumentou Salles sobre o evento. Mas não resistiu à pressão do então prefeito ACM Neto.
Desmonte da fiscalização
Em abril de 2019, entre as medidas dos 100 dias de governo, foi baixado decreto aumentando a burocracia da autuações, favorecendo assim a prática de crime ambiental. Na prática foi o cumprimento de promessa de campanha de Bolsonaro, sobre o fim da “indústria de multas”. O decreto instituiu os núcleos de conciliação, nas quais as infrações ambientais são previamente analisadas.
Ou seja, mesmo antes de qualquer defesa do autuado, esses núcleos poderão analisar a multa para confirmá-la, ajustá-la ou anulá-la, caso se entenda que houve alguma irregularidade. Isso levou a uma queda de 34% nas autuações naquele mesmo ano. Atualmente, há cerca de 130 mil processos de infração no Ibama, totalizando R$ 30 bilhões.
Insatisfeito com as regalias aos infratores ambientais, Salles determinou novas mudanças na apuração de multas. A partir de agora, as infrações terão de ser autorizadas por um superior do agente de fiscalização que aplicar a punição. Se essas chefias confirmarem, a autuação segue a tramitação anterior com os próprios fiscais.
Aliança com garimpeiros ilegais
Em 6 de agosto de 2020, o Ibama havia solicitado aeronaves à Força Aérea Brasileira (FAB) para apoiar uma operação de combate a crimes ambientais, garimpo ilegal inclusive, em terras indígenas Munduruku e Sai Cinza. Os aviões levariam lideranças indígenas até Brasília, para reunião com Ricardo Salles. Em vez disso, foram usados para transportar garimpeiros ilegais, com quem o ministro tinha havia se encontrado na véspera.
Com o uso do transporte pelos garimpeiros ilegais, cuja ação deveria ser combatida, as lideranças não foram levadas ao encontro de Ricardo Salles e a operação foi cancelada. O caso foi parar no Ministério Público Federal (MPF), sob suspeita de improbidade administrativa por desvio de finalidade.
Desmonte do Ibama e do ICMBio
O aumento do desmatamento, das queimadas e da ação de madeireiros e garimpeiros ilegais é registrado em meio ao enxugamento dos órgãos de fiscalização. O Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) foram reestruturados desde a posse de Salles, favorecendo assim o agronegócio.
De cara, exonerou 21 dos 27 superintendentes do Ibama. Pouco tempo depois, exonerou José Olímpio Augusto Morelli, agente fiscal que havia multado o então deputado Jair Bolsonaro que pescava em uma unidade de conservação em Angra dos Reis (RJ). Cinco meses depois, já havia reduzido em 34% o número de multas aplicadas.
O ICMBio, responsável pelas unidades de conservação e dos centros de pesquisas ficou sem suas 11 coordenações regionais. Deixou uma gerência para cuidar de cada região. No Norte, onde está a maior parte do bioma Amazônia, foram fechadas três.
Como se fosse pouco, Salles pretende fundir os dois órgãos. Um grupo de trabalho, composto apenas por militares, além do ministro, estuda a fusão, que na prática representa a extinção de ambos.
Extinção de unidades de conservação
Outra medida para favorecer ruralistas proposta por Ricardo Salles e a revisão de todas as 334 unidades de conservação do país. A mais antiga, o Parque Nacional de Itatiaia, criado em 1934, e mais recente, o Refúgio da Vida Silvestre da Ararinha Azul, criado em 2018, também serão revistos. Para o ministro, faltou “critério técnico” na criação dessas unidades. Estão em estudo mudanças no traçado, com redução da área, e até mesmo a extinção.
Manchas de óleo no litoral do Nordeste
No final de agosto de 2019, surgiram as primeiras manchas de óleo nas praias de estados dos Nordeste. A faixa foi aumentando até cobrir 3.000 quilômetros do litoral, chegando ao Espírito Santo, com cerca de 5.000 toneladas de óleo de origem ainda desconhecida. Em vez de mandar equipes e utilizar tecnologias disponíveis para evitar o espalhamento do óleo, Salles preferiu acusar o governo da Venezuela como responsável. Dias depois, sob críticas de ambientalistas e entidades que passaram a limpar as praias com as próprias mãos, o ex-ministro passou a bater boca com o Greenpeace.
Enquanto isso, um dos maiores crimes ambientais afetou manguezais e corais, matando parte da vida marinha e deixando sem renda pescadores e populações inteiras que retiram seu sustento do mangue, dos estuários e costões. Quase dois anos depois, o meio ambiente ainda não se recuperou. Tampouco foram identificados os responsáveis.
Extração de petróleo em Abrolhos
Em abril de 2019, Salles ordenou ao presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, que contrariasse parecer técnico feito por um comitê especializado dentro do próprio órgão para autorizar o leilão de campos de petróleo ao lado do Parque Nacional de Abrolhos. A exploração petrolífera colocaria em risco o santuário ecológico no sul da Bahia, que reúne recifes de corais e manguezais, locais de reprodução da fauna marinha.
Sua preservação acabou ditada por interesses comerciais e não ecológicos. Nenhum dos blocos situados na região foi arrematado em leilão. As petrolíferas temia problemas devido à falta de informações sobre a viabilidade ambiental. Pesou também a repercussão da crise ambiental causada pelas manchas de óleo no Nordeste.
Ataque a manguezais e restinga
Em setembro, em reunião do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) presidida por Ricardo Salles, foram revogadas resoluções que protegem restingas, faixas de vegetação sobre faixas de areia, e manguezais, onde há reprodução de vida marinha. Segundo o ministro, as resoluções foram abarcadas por leis que vieram depois, como o Código Florestal. Na verdade, o objetivo era favorecer o mercado imobiliário e o setor de criação de camarões.
A resolução que revogou as anteriores só foi possível graças à até então nova configuração do Conama. Em maio de 2019, Salles baixou decreto reduzindo o número de integrantes do Conama, que passou de 96 para apenas 23. A representação do governo aumentou, enquanto que a sociedade civil perdeu mais de 80% de representatividade.
Ouvindo as críticas de especialistas e ambientalistas, o PT foi ao STF no início de outubro, pedindo a anulação da decisão da reunião comandada por Salles. Dias antes, a Justiça Federal no Rio de Janeiro havia suspendido a resolução do Conama. No final de outubro, a ministra Rosa Weber acatou, em caráter liminar, ação movida por parlamentares petistas.
Atentados contra a Mata Atlântica
Em abril de 2010, Salles assinou despacho determinando aos órgãos ambientais federais alterações no Código Florestal na Mata Atlântica. Na prática, invalidava a Lei da Mata Atlântica e abria caminho para a anulação de multas, embargos e desmatamentos ilegais para favorecer o mercado imobiliário e setores do agronegócio.
O Ministério Público dos 17 estados onde há remanescentes de Mata Atlântica foram acionados e surgiram dezenas de ações judiciais, pedindo a paralisação de processos que anistiassem desmatadores. Em junho o ministro recuou e revogou o despacho, cuja elaboração seguiu parecer da Confederação Nacional da Agricultura.
Condenado por improbidade
Em dezembro de 2018, antes de assumir seu posto no governo, Ricardo Salles foi condenado em primeira instância por improbidade administrativa. O juiz acatou acusação do Ministério Público paulista, segundo o qual Salles modificou os mapas de zoneamento e a minuta de instrumento normativo (decreto) que institui o plano de manejo da Área de Proteção Ambiental (APA) Várzea do Tietê, em fase de elaboração e discussão. Isso para favorecer empresas de mineração ligadas à Fiesp.
O crime foi cometido em 2016, quando o ministro demitido era secretário estadual de Meio Ambiente de São Paulo, na gestão do tucano Geraldo Alckmin. A condenação embasou diversas ações que visavam proibir a posse do ministro, que recorreu da decisão. Ainda não houve julgamento em segunda instância.
Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Fonte: Brasil de Fato
Edição: Vinícius Segalla