Grupo majoritário da CPI da Covid já vê provas de crimes de Bolsonaro na gestão da pandemia
Grupo majoritário da CPI já vê provas de crimes de Bolsonaro
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Técnicos e integrantes do grupo majoritário da CPI da Covid, formado por senadores independentes e oposicionistas, acreditam que já há elementos que levam à incriminação do presidente Jair Bolsonaro por crime sanitário, ou seja, contra a saúde pública.
A comissão pode, no relatório final, pedir ao MPF (Ministério Público Federal) o indiciamento do mandatário por ilícitos que entendem que ele cometeu. A existência de crime sanitário é uma das vertentes de investigação do grupo majoritário da CPI, formado por parlamentares independentes e oposicionistas.
O principal objetivo dos depoimentos e coleta de evidências daqui para frente será atestar que o chefe do Executivo também cometeu crime contra a vida. Os senadores acreditam que os depoimentos prestados até o momento no âmbito da comissão confirmaram que Bolsonaro e seus comandados tinham real consciência do impacto da pandemia do novo coronavírus no Brasil e que deveriam ter agido para minimizar os efeitos à população brasileira, incluindo com uma mudança na postura pessoal do próprio presidente.
A CPI realizou até o momento seis oitivas. Compareceram como testemunha à comissão os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, o atual ocupante da pasta, Marcelo Queiroga; o diretor presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres; o ex-secretário de Comunicação da Presidência Fabio Wajngarten e o gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo.
Os parlamentares do grupo majoritário da CPI consideram que pelo menos três falas em depoimentos podem ser consideradas provas da omissão e negligência do governo. Citam inicialmente a apresentação na comissão de uma carta, pelo ex-ministro Mandetta, que teria entregue ao presidente da República, ainda em março, alertando para os riscos da pandemia e mostrando estimativas de que o Brasil poderiam chegar a 180 mil mortes pela Covid-19 até o fim de 2020, se medidas, principalmente políticas de isolamento social, não fossem adotadas.
Outro fato encarado como prova de negligência é a informação de que a oferta de venda de vacinas da Pfizer ficou parada no governo por dois meses, que veio à tona no depoimento de Fabio Wajngarten. A informação foi em seguida confirmada e sua gravidade ampliada com a fala de Carlos Murillo, que apontou que a empresa fez ao Brasil ao menos cinco ofertas de doses de vacinas contra o coronavírus e que o governo federal ignorou proposta para comprar 70 milhões de unidades do imunizante.
Também mencionam a pressão para ampliar o uso da hidroxicloroquina para o tratamento da Covid-19. Para integrantes da CPI, está claro que o governo Jair Bolsonaro boicotou a aquisição de vacinas, pois acreditava na imunização natural, ou imunidade de rebanho, que aponta que a imunidade coletiva é atingida quando um percentual da população é infectado.
“Vemos que o crime contra a saúde pública já está caracterizado”, afirma o senador Rogério Carvalho (PT-SE), membro suplente da CPI e um dos principais nomes do grupo independente e oposicionista, em relação a questões de saúde.
“Quando você deixa de adotar medidas, você está de forma culposa cometendo crime contra a saúde pública. Mas, quando você tem os meios e não age, então existe dolo”, completou.
A equipe do relator e os senadores próximos a ele, portanto, consideram que já há elementos suficientes para sustentar a tese de negligência deliberada no enfrentamento à pandemia e nos esforços para evitar uma escalada das mortes, configurando crime sanitário.
Legalmente, trabalha-se com duas hipóteses em relação a esse eventual crime. Administrativamente, Bolsonaro pode ser acusado de crime de responsabilidade por atuar contra o direito à saúde, que é um direito fundamental garantido pela Constituição.
Em outra esfera, os parlamentares próximos a Renan Calheiros mencionam o crime de epidemia, previsto no Código Penal e que seria praticado pela ação de promover de maneira deliberada a transmissão da doença. Carvalho explica que o próximo passo seria provar o crime contra a vida, o que, na prática, seria demonstrar que o crime contra a saúde pública resultou nas mortes de pessoas, em decorrência da pandemia do novo coronavírus.
Por isso os integrantes do grupo majoritário preveem que, após a série de oitivas com autoridades, ex-integrantes do governo e atuais, a CPI vai entrar numa segunda etapa de depoimentos, para ouvir especialistas.
“Em relação ao crime contra a vida, precisa ser provado quantas mortes poderiam ter sido evitadas se tivessem sido tomadas as medidas adequadas. Sabemos que o vírus é matemático, tem alta capacidade de propagação. Mas, para provar que houve o crime contra a vida, agora precisamos trazer para a comissão especialistas, investigar estudos epidemiológicos, que possam sustentar essa tese”, afirmou o senador.
Um dos estudos em análise pela comissão foi publicado pela revista acadêmica Lancet, cujo título é SOS Brazil: Science Under Attack (tradução live: SOS Brasil: a ciência sob ataque), do epidemiologista Pedro Hallal, da UFPel (Universidade Federal de Pelotas). Nesta sexta, o jornal Folha de S.Paulo mostrou cálculo de Hallal, segundo o qual pelo menos 5 mil mortes teriam sido evitadas se o governo tivesse aceitado a oferta da Pfizer em agosto do ano passado. A conta do pesquisador estima que 14 mil óbitos poderiam não ter ocorrido, com uma margem de erro de 5 mil a 25 mil mortes.
Outra pesquisa que vem sendo acompanhada pelos membros da comissão investiga o “excesso de mortes”, o aumento de mortes no Brasil em tempos de Covid-19. Uma das autoras é a epidemiologista da Vita Strategies Fátima Marinho. Ela explica que a pesquisa leva em conta uma estimativa de mortes anual, mais ou menos fixa, que varia levemente por causa do envelhecimento da população.
Um dos impactos que pode ser medido é justamente a vacinação, em particular do grupo acima de 80 anos.
“Com o início da vacinação de idosos, a gente já começou a registrar em abril não apenas uma redução nas mortes, não apenas por Covid, mas também a redução do excesso de mortes entre eles. Ou seja, tem o impacto direto e também o impacto indireto”, afirmou Marinho.
Na semana que vem, serão ouvidos o ex-ministro de Relações Exteriores Ernesto Araújo (18) e o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, no dia 19. O atual ministro, Marcelo Queiroga, foi ouvido pela comissão, mas terá de voltar porque os parlamentares avaliaram que o depoimento dele foi inconclusivo. Na oitiva, Queiroga se omitiu de questões sobre o que ele acha do uso da hidroxicloroquina contra a Covid-19 e também a opinião dele a respeito de declarações negacionistas de Bolsonaro.
Ao contrário dele, o depoimento de Barra Torres, presidente da Anvisa, defendeu a vacinação, medidas de isolamento social, uso de máscaras, além de criticar o uso da cloroquina para tratar Covid. Apesar da proximidade com Bolsonaro, disse que o comportamento negacionista não deve ser seguido pela população.
Foto: Reprodução
Fonte: www.clickpb.com.br