contrato a toque de caixa

Covaxin: Governo ignorou parecer e fez contrato a toque de caixa

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Governo fez contrato a toque de caixa

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo Jair Bolsonaro assinou a toque de caixa o contrato de R$ 1,61 bilhão para a compra da vacina indiana Covaxin, sem atender a tempo a um conjunto de dez recomendações da consultoria jurídica do Ministério da Saúde, formada por membros da AGU (Advocacia-Geral da União).

 

 

A consultoria concluiu um parecer pela viabilidade jurídica do processo de compra, “condicionada ao atendimento das recomendações” descritas no documento.

 

O ministério deveria, por exemplo, cercar-se de cuidado sobre a qualidade da vacina, justificar por que dispensou uma pesquisa de preços, apresentar uma razão para a contratação de 20 milhões de doses e definir qual seria a posição da Precisa Medicamentos, a intermediadora do negócio, se representante ou distribuidora dos imunizantes fabricados pelo laboratório indiano Bharat Biotech.

 

 

A Folha teve acesso à íntegra do processo administrativo relacionado à contratação da Precisa e da Bharat Biotech, onde constam os pareceres jurídicos da AGU.

 

 

O parecer elaborado após análise da minuta do contrato, que fez as dez recomendações, foi concluído às 14h09 de 24 de fevereiro deste ano. Às 19h38 do mesmo dia, pouco mais de cinco horas depois, o Ministério da Saúde enviou um ofício à representante da Precisa, Emanuela Medrades, convocando-a para a assinatura do contrato.

 

 

O prazo para assinatura era de três dias. O contrato entre Ministério da Saúde e Bharat, representada pela Precisa, foi assinado às 14h28 do dia 25, pouco mais de 24 horas após a conclusão do parecer jurídico.

 

 

Pelo documento, o ministério deveria receber 20 milhões de doses até 6 de maio, o que não ocorreu. Cada dose custa US$ 15 (R$ 80,70), o maior valor dentre os imunizantes contratados pela pasta. O R$ 1,61 bilhão acertado já está empenhado desde 22 de fevereiro. O empenho significa que o dinheiro está reservado.

 

 

A contratação da Covaxin e as suspeitas de crime relacionadas a esse contrato passaram a ocupar o foco da CPI da Covid no Senado. Na sexta (25), a comissão ouviu Luis Ricardo Fernandes Miranda, chefe do setor de importação do Ministério da Saúde, e o irmão dele, deputado Luis Miranda (DEM-DF), que disse ter alertado Bolsonaro sobre as suspeitas de irregularidades -na comissão, disse que o presidente citou o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR).

 

 

A Folha de S.Paulo revelou no último dia 18 a existência e o teor de um depoimento do servidor ao MPF (Ministério Público Federal) em Brasília, no qual relatou ter sofrido pressão atípica para tentar liberar a importação da Covaxin. O MPF identificou indícios de crime na contratação. À CPI o servidor confirmou seu relato.

 

 

O processo administrativo que embasou o contrato traz detalhes sobre como a parceria entre Ministério da Saúde e Precisa foi sacramentada de forma ágil, a toque de caixa.

 

Das dez recomendações feitas pela AGU, apenas três foram cumpridas antes da assinatura do contrato, como mostram os documentos analisados pela reportagem.

 

 

Outras três foram ignoradas. E, no caso de quatro delas, o ministério indica que buscou atender às sugestões, mesmo que apresentando apenas explicações genéricas. Uma correção dizia respeito à inexistência de declaração de que as empresas não empregam adolescentes. Outra, sobre a falta de clareza quanto à atribuição da Precisa no processo.

 

 

Documentos apresentados colocaram a empresa como representante da Bharat, com capacidade de assinar contratos. Foi assim que a Precisa apareceu no contrato, e não como distribuidora.
Não aparecem no processo, porém, as medidas adotadas para garantir a qualidade das vacinas. Também não fica clara uma justificativa para a dispensa de pesquisa de preços e de atestado de “razoabilidade” dos valores praticados.

 

 

Fechado o contrato, áreas técnicas demonstraram preocupação com o que sugeriu a consultoria jurídica. Em 2 de março, uma área escreveu num ofício que havia necessidade de “saneamento da instrução processual”.

 

 

Um estudo técnico preliminar só foi inserido no sistema em 4 de março. É ele que indica os motivos do valor da compra, por exemplo. Já os ajustes do termo de referência só foram concluídos no dia 11 de março, duas semanas após a assinatura do termo entre o ministério e a Precisa.

 

 

A respeito dos critérios usados para definir a quantidade de 20 milhões de doses, uma cobrança feita pela AGU, a pasta afirmou, no curso do processo: “Frente ao contexto de emergência de saúde pública de importância internacional por surto do novo coronavírus e considerando a escassez da vacina no mercado mundial, realizamos a aquisição do quantitativo total ofertado pela empresa”.

 

 

No parecer jurídico elaborado na véspera da assinatura, os advogados da União afirmaram que “não há determinação legal a impor a fiscalização posterior de cumprimento de recomendações feitas”.

 

 

Um parecer jurídico não vincula a decisão a ser tomada pelo gestor público, segundo uma explicação técnica solicitada pela Folha à Anauni (Associação Nacional dos Advogados da União), que respondeu de forma genérica, sem referência a um caso específico.

 

 

“Apesar de não vincular os gestores públicos, as recomendações expedidas pelas consultorias jurídicas visam a conferir segurança jurídica para as decisões a serem adotadas, minimizando os riscos de futuros questionamentos judiciais ou perante órgãos de controle”, disse a associação.

 

Em casos de urgência, o advogado da União pode concluir pela legalidade do procedimento desde que o ministério cumpra as ressalvas feitas no parecer.

 

 

“É preferível que essas recomendações sejam atendidas antes da assinatura do contrato ou da prática do ato”, afirmou a Anauni.

 

 

A Folha questionou o Ministério da Saúde sobre o parecer jurídico e a assinatura do contrato sem atendimento às recomendações. A pasta disse que os questionamentos deveriam ser enviados à Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social), e assim foi feito. Não houve resposta.

 

 

Com a escalada da crise, o ministério afirmou em nota que a compra da Covaxin está sob análise da consultoria jurídica e que nenhum pagamento foi feito à empresa. O governo avalia anular o contrato.

 

 

A Precisa disse que foi transparente e seguiu a legislação ao negociar a Covaxin. Ela nega favorecimento. “A Precisa informa que as tratativas entre a empresa e o Ministério da Saúde seguiram todos os caminhos formais e foram realizadas de forma transparente junto aos departamentos responsáveis do órgão federal.”

 

 

Foto: Fernanda Paixão

Fonte: Brasil de Fato

Por FOLHAPRESS

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