Gabinete paralelo: atuação de grupos extraoficiais é marca do governo, diz analista
Atuação de grupos extraoficiais é marca do governo, diz analista
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid tem revelado que a política de condução do enfrentamento à pandemia do governo Jair Bolsonaro (sem partido) foi coordenada por um grupo informal de assessores com atuação sistemática dentro do Ministério da Saúde.
Chamado de “gabinete paralelo”, o grupo seria formado por médicos e empresários que aderiram ao negacionismo defendido pelo presidente.
Segundo a analista política, Monalisa Soares, a atuação de grupos paralelos não está restrita ao Ministério da Saúde, mas permeia todo o governo Bolsonaro.
“É sempre um conjunto de pessoas, que não são necessariamente vinculados a cargos do governo, mas que preservam as matrizes ideológicas e puristas que seriam o marco que trouxe esse grupo ao poder e que demarcaram suas questões.”, declara Soares
Defesa de tratamento sem comprovação científica, imunização de rebanho, e negação sistemática de compra de vacinas foram os focos de atuação do grupo, que teria influenciado na demissão de dois ministros da Saúde, Henrique Mandetta e Nelson Teich.
CPI
Ambos, em depoimento à CPI, citaram a existência de um “ministério paralelo”, que seria contrário às orientações da Organização Mundial da Saúde, e influenciava as decisões presidenciais sobre a pandemia.
“Fui chamado ao terceiro andar [do Palácio do Planalto] porque tinha lá uma reunião com vários ministros e médicos que iam propor esse negócio de cloroquina (…). Quer dizer, ele [Bolsonaro] tinha esse assessoramento paralelo”, afirmou Mandetta à CPI.
“Nesse dia, havia sobre a mesa, por exemplo, um papel não-timbrado de um decreto presidencial para que fosse sugerido naquela reunião que se mudasse a bula da cloroquina na Anvisa, colocando na bula a indicação da cloroquina para coronavírus”, descreveu ele em um dos pontos mais importantes do depoimento.
A infectologista, Rachel Stucchi, afirma que sabia da existência de profissionais da saúde assessorando o presidente Bolsonaro nas decisões sobre tratamento precoce, mas se surpreendeu com a estrutura da organização paralela revelada pela CPI.
“Não tínhamos dado um nome pra esse gabinete paralelo, mas sabíamos de vários colegas nossos. A gente já sabia, mas não com esse nome, e nem que tinha reunião com protocolos prontos, mudança de bula. Na minha imaginação não chegava que eles fariam tudo isso”, aponta.
Protagonistas e efeitos colaterais
Os atores citados como mais influentes durante a CPI da pandemia foram: o empresário Carlos Wizard, dono da rede idiomas com mesmo nome, o deputado Osmar Terra, que negou a gravidade do vírus desde o início da crise sanitária, e Mayra Pinheiro, secretária de Gestão de Trabalho e da Educação do Ministério da Saúde, conhecida como Capitã Cloroquina.
O efeito das estratégias do gabinete são fáceis de perceber: o crescimento exponencial de novos casos no país, uma média de 1.823 óbitos por dia, um sistema de saúde colapsado e uma campanha de vacinação sem data para terminar.
Segundo Raquel Stucchi, se a política do Ministério da Saúde não tivesse sido pautada por esse grupo, hoje o cenário poderia ser muito diferente.
“Se em agosto tivéssemos conversado com a Pfizer, acredito que estaríamos próximos dos 70%[vacinados]. Acho que próximo do que a Europa está vivendo hoje. Já podendo sair, quase sem máscara. Mas acho que vamos adiar por mais de um ano.”, conclui.
Desdobramentos
Segundo a analista política Monalisa Soares, ainda não está claro qual pode ser a responsabilização criminal sobre o gabinete paralelo.
“Nas primeiras semanas da CPI, o governo sofreu um desgaste. A gente viu isso no aumento da reprovação do presidente e na queda da pesquisa de intenção de votos para 2022.”, afirma Soares.
“A gente saiu de uma eleição onde o polo aglutinador foi o antipetismo, e a gente pode estar caminhando para uma em que o polo vai ser o antibolsonarismo”, destaca.
Neste sábado (29), protestos em todo o país pedem a saída de Jair Bolsonaro, vacina no braço e comida no prato!
Edição: Vinícius Segalla e Isa Chedid
Foto: Evaristo Sá/AFP
Fonte: Brasil de Fato